segunda-feira, 28 de março de 2011

Maracangalha, etc

Alexis Carrell legou um livro precioso: "O homem, este desconhecido". Talvez outro autor tenha deixado algum com o titulo "O homem, este insatisfeito". Porque é da condição humana estar em besca de novos caminhos, de conquistas. Na música popular brasileira e na poesia, encontra-se - e em termos ultranacionais também acontece - a expressão de anseios e vontade. Muitos se lembrarão certamente da marchinha de carnaval, de Dorival Caymmi: "Eu vou para maracangalha, eu vou/eu vou de chapéu de palha/eu vou". Cantada em clubes e nas ruas, jamais tive noticia de quem se interessasse saber onde se localiza esse lugar desejado. Agora, na revista "Blumenau em cadernos", que o advogado e escritor de Santa Catarina Enéas Athanázio me envia, no número 5, descubro, Maracangalha, segundo a pesquisadora Lurdes Daré Pizzetti, era a zona do meretricio, como a chamavam os habitantes de Criciúma. Ela informa do fascinio das "noitadas alegres em antros sórdidos, povoados por infelizes mercadoras em precárias condições de saúde", conforme depoimento do médico Francisco de Paulo Boa Nova Junior. Lurdes Daré acrescenta: "No dia do pagamento não vinham nem em casa. Só vinham na segunda-feira de manhã para trabalhar na mina, porque geralmente recebiam o pagamento na sexta; sábado e domingo era marancagalha direto". Doente, tuberculoso, solteirão, Manuel Bandeira não se achava satisfeito. Assim, decidiu sonhar Pasargada, onde era amigo do rei: "Lá tenho a mulher que eu quero/Na cama que escolherei". "E como farei ginástica!/Andarei de bicicleta/Montarei em burros brabo/Subirei no pau de sebo/Tomarei banho de mar!/E quando estiver cansado/Deito na beira do rio/Mando chamar a mãe-d'água/Para me contar as historias/Que no tempo de eu menino/Rosa vinha me contar". Os seres humanos, descontentes, buscam maracangalhas ou pasárgadas. Nem todos, contudo, pretendem mudanças, como o cronista de "O Popular", Edival Lourenço de Goiânia. Para ele, não servem o templo de Salomão, a arca de Noé, os cedros do Líbano, a mata de cipós, nem um puxadinho na casa do Pai. Não lhe servem um loft na Quinta Avenida, a manhã num jardim utópico, sequer me serve a amizade de um rei, ainda que seja o de Pasárgada. Sequer uma chalana sobre o rio Roxim, uma casa na copa da castanheira amazônica ou um palacete na Praia do Futuro. Para Edival só interesse o Quartel de Abrantes: "Tudo lá está como sempre e dantes. O mesmo ceu na Terra, o mesmo sabiá cantando a mesma melodia no ar, o mesmo aroma de hortelã, a mesma brisa que passa não passando pela perpétua manhã. Não me serve outro lugar. É para lá que eu quero ir. Porque tudo tudo esta lá, liquido e certo como dois e dois na tabuada da infância. Tudo. Tudo como dantes, no Quartel de Abrantes". E mais: Lá, não há violência, ladrão de sonhos, mentiras nem dissimulações, ou traficantes, nem candidatos com agendas secretas. Manoel Hygino dos Santos Jornalista e escritor - E-mail:colunamh@hojeemdia.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário